sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Entrevista a Miguel Soares

O texto que se segue vem na sequência da nossa pesquisa sobre o tema da Vídeo-Arte para a disciplina de MediaDigitais. Assim, propusemo-nos abordar sumariamente o início desta linguagem e o seu desenvolvimento, nomeadamente em Portugal, a partir de uma selecção de artistas. A nossa escolha recaiu, entre outros, em Miguel Soares (ver anteriores mensagens) pelo que entrámos em contacto com este artista que recentemente apresentou uma exposição na Culturgeste. Colocámos-lhe três questões que muito amavelmente respondeu, tendo autorizado a sua publicação.
S / P - Lendo o texto do catálogo ficamos a perceber um certa desilusão relativamente à orientação do ensino superior artístico, nomeadamente nas Belas-Artes. De onde surgiu então o interesse pelo vídeo como médium, já que, pelo que me lembro, os audiovisuais na escola eram muito obsoletos?

M/S Não chamaria tanto uma desilusão, pois na altura já sabia que os cursos eram orientados por técnicas (pintura, ou escultura), e por isso acabei por no 3ºano seguir Design de Equipamento, como forma de aprender sobre outros materiais (plástico, ferro, madeira, materiais de construção, etc.), o que acontecia é que depois das aulas havia uma certa ansiedade de trabalhar em algo nosso. Sentimento comum também aos meus colegas que seguiram pintura ou escultura. Ou seja, os trabalhos que eram pedidos na ESBAL não eram os mesmos que nos interessavam pessoalmente realizar como artistas.O interesse pelo video, muito comum na minha geração e posteriores, vêm sobretudo de dois factores, por um lado, toda a influência das linguagens do Cinema, publicidade e televisão (foi nessa altura que a maioria das pessoas começaram a ter em casa um video-gravador e começaram a acumular cassetes com programs de televisão e a alugar filmes em clubes de video.), por outro lado, o constatar que era possivel para um artista, mais do que nunca, trabalhar com esses meios. Viamos em revistas, e em raras exposições trabalhos em video e em película, e o video começava a ficar acessivel ao consumidor comum. No entanto, no início dos anos 90, as câmaras de video ainda eram demasiado caras para um estudante, e para nós era extremamente dificil conseguir um projector de video para uma exposição, ou conseguir montar um video, a não ser com dois leitores de VHS. Na Escola, já no fim do curso, havia uma cadeira opcional de video, mas apenas para alunos de Pintura e Escultura, que colegas meus frequentaram. Entretanto a actual Faculdade de Belas Artes evoluíu muito e conseguiu adaptar-se ás práticas da arte contemporânea.

S / P - Ao assistir à sua exposição na Culturgeste, reparámos que o seu percurso parece apresentar duas linhas de orientação. Os vídeos Ultitled (1999) e Expecting to Fly (1999-2001) convida-nos a um voyeurismo (contrariado pela banda sonora escolhida) e os restantes, não se tratando de imagem real, revelam outras preocupações como a sobrevivência, a poluição, a adaptabilidade, o totalitarismo ... . Concorda com esta nossa interpretação?

M/S Em parte concordo. Primeiro convém explicar que o meu trabalho é interdisciplinar, ou seja, trabalho em áreas como a música, video, fotografia, instalação, entre outros. A exposição que o Miguel Wandschneider comissariou na Culturgest parte de uma selecção que incide apenas sobre o trabalho em suporte de video monocanal (video e animações, excluindo instalações com video) realizado entre 1999 e 2005.. Os videos que refere, filmados da varanda do meu apartamento, mostram acontecimentos que vieram perturbar (interromper) o meu trabalho nas animações, frente ao computador. Acabam por fazer um forte contraponto às animações em vários aspectos, a começar pelo lado formal, mas também por abordarem micro-questões (ou micro-temas) enquanto que as animações se propõe abordar macro-questões. Assuntos "pequenos" (no sentido pessoal ou individual) de um lado, "Grandes Questões da Humanidade" do outro. A realidade dura e urbana dos videos acaba por incentivar, quase como escape, a tentativa de criar nas animações 3D um mundo utópico, de procurar soluções futuras, ou de questionar o papel do ser humano no planeta." S / P -E, na sequência desta questão, porquê a adopção de uma técnica que está muito conotada com o cinema de animação?

M/S Com origem no CAD, o 3D foi inicialmente desenvolvido para criar simulações na área do cálculo científico, sobretudo relacionado com a produção industrial de veículos de guerra, automóveis, aviões e também na área da balística (cálculo militar, ou na corrida espacial entre os EUA e a União Soviética por ex.). A Boeing e a Renault são dois exemplos de empresas comerciais que muito cedo viram o potêncial do computador na concepção dos projectos.Outras áreas como a biologia, engenharia, e arquitectura logo começaram a usar a "ferramenta". Convém salientar que continuam a ser estas as principais "utilidades" do 3D. Daí que as primeiras animações experimentais em 3D tenham sido feitas por cientistas. Nos anos 70 o 3D e a animação por computador alargam-se à área do cinema e televisão, inicialmente na criação de genéricos e infografia, e só mais recentemente nos efeitos especiais e animação.Uso o 3D por ter essa capacidade de simulação. A simulação está presente na arte desde a pré-história, e nesse aspecto o 3D consegue ter uma relação entre realismo científico e facilidade e acessibilidade (no sentido em que qualquer pessoa tem acesso a um computador e não está dependente de ninguém) muito superior à pintura, escultura, fotografia, ou cinema, até porque engloba-os a todos (e não existiria sem eles). Ou seja, com o 3D posso criar um pequeno universo (ou "teatro") em que controlo todas as variáveis, e não estou dependente de ninguém, ou preocupado em que acabe a matéria-prima, ou onde vou guardar e conservar as coisas. Tem também a capacidade de simular as leis da Física (mesmo que seja uma Física inventada por nós) ser escalonável e fractal, e ter resolução infinita (por ser vectorial). A partir de uma cena em 3D posso fazer uma imagem, um filme, ou um sistema interactivo, posso fazer um modelo físico (por ex. com uma 3D printer), posso conjugar várias cenas, adicionar um objecto que modelei há 10 anos, alterar tudo. As possibilidades são infinitas e há tanto para experimentar, que vejo no 3D um potêncial muito maior do que nas outras ferramentas que tenho à disposição.
O nosso muito obrigado a Miguel Soares,
Sílvia Vieira e Pedro Félix

Sem comentários: